domingo, 24 de abril de 2011

Um poema para a Ressurreição


Domingo de Páscoa. Entregue à aventura de procurar uma frase à altura de celebrar a bela simbologia da Ressureição - acontecimento central do cristianismo, segundo Leonardo Boff -, mas sem ser uma frase cristã. Nada encontrado. Então a memória manda das profundezas a canção de Caetano, baseada num poema de Maiakóvski: O Amor. "Ressuscita-me!" Achado. Era o que Ani precisava. Vai na tradução proposta numa página da web, e na letra da canção de Caetano, um pouco diferente (Será tradução de Augusto de Campos? Será tradução livre de Caetano?) Que a Páscoa seja feliz, sem cruzes eternas: seja Ressurreição.


O Amor
(na web)


Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zoo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.

Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casa.
Para que
doravante
a família
seja
o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.
(1923)

O Amor


Talvez
quem sabe
um dia
por uma alameda
do zoológico
ela também chegará

Ela que também
amava os animais
entrará sorridente
assim como está
na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
ela é tão bonita
que na certa
eles a ressuscitarão

O século trinta vencerá
o coração destroçado já
pelas mesquinharias

Agora vamos alcançar
tudo o que não
pudemos amar na vida
com o estrelar
das noites inumeráveis

Ressuscita-me
ainda
que mais não seja
porque sou poeta
e ansiava o futuro

Ressuscita-me
lutando
contra as misérias
do cotidiano
ressuscita-me por isso

Ressuscita-me
quero acabar de viver
o que me cabe
minha vida
para que não mais
existam amores servis

Ressuscita-me
para que ninguém mais
tenha de sacrificar-se
por uma casa
um buraco

Ressuscita-me
para que a partir de hoje
a partir de hoje
a família se transforme
e o pai
seja pelo menos
o Universo
e a mãe
seja no mínimo
a Terra

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