domingo, 19 de junho de 2011

Presente ausência

Tu ausencia me rodea / como la cuerda a la garganta / el mar al que se hunde

Ausencia
Jorge Luis Borges

Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.

In: Fervor de Buenos Aires.




Años de Soledad
Astor Piazzolla
(saxofone Gerry Mulligan)




quinta-feira, 16 de junho de 2011

Bertolt Brecht

Dramaturgo e poeta alemão.


Depois de procurar uma e outra vez por anos, finalmente reencontro, no blog Era uma vez Chaplin..., boa parte da tradução preferida de um poema de Bertolt Brecht que nunca esqueci. Não voltei a achar outra tradução de que gostasse tanto. Ainda não sei quem fez esta, ou onde foi publicada. O que faltava foi reconstruído da memória, com ajuda de outras traduções.

 

Àqueles que vêm depois de mim

I

Realmente, eu vivo em tempos tenebrosos.

  
A palavra sem malícia é tola.
Uma testa lisa
significa só insensibilidade.
Aquele que ri,

ri porque ainda não soube da tétrica nova.

Que tempos são estes
em que falar de árvores parece ser crime,
porque impede falar sobre iniqüidades?
Aquele que lá atravessa a rua
provavelmente já está fora do alcance
dos amigos que estão na miséria.

É verdade! Ainda ganho meu sustento.
Mas acreditem: isso é mero acaso.
Nada do que faço me autoriza
a comer até saciar a minha fome.
Só por acaso eu fui poupado.
(Se a minha sorte acabar, estarei perdido.)

Eles me dizem:
Come e bebe e te alegra, que tu o podes!
Mas como posso comer e beber
se com isso tiro
do faminto aquilo que como,
e se meu copo d’água
faz falta a um sedento?
E ainda assim eu como e bebo.

Eu também gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros dizem o que é ser sábio:
manter-se alheio aos conflitos do mundo
e passar o breve tempo sem medo,
agir sem violência, pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Isso é sábio.
E isso o que eu não consigo!

Realmente, eu vivo em tempos tenebrosos.

II

À cidade vim no tempo da desordem
quando a fome dominava.
Entre os homens cheguei no tempo da revolta
e me revoltei com eles.

Assim passava o tempo
que na Terra me foi dado.

A comida eu comia entre as batalhas
e dormia entre homens  assassinos.
Do amor, tratava sem cuidado
e olhava impaciente a natureza.

Assim passava o tempo
que na Terra me foi dado.

As ruas no meu tempo conduziam ao brejo.
As palavras denunciavam-me ao açougueiro.
Eu pouco podia fazer. Mas os Senhores do mundo
estariam mais seguros sem mim, eu esperava.

Assim passava o tempo
que na Terra me foi dado.

Minhas forças eram poucas. A meta
estava bem distante, claramente visível,
embora quase inatigível
para mim.

Assim passava o tempo
que na Terra me foi dado.

III

Vós, que emergireis da vagas
nas quais nós submergimos,
lembrai-vos,

quando falardes sobre as nossas fraquezas,
também do tempo tenebroso
do qual escapastes.

Vivíamos nós trocando
com mais freqüência

os países do que os sapatos,
pela luta das classes desesperados,
quando havia só maldade
e nenhum consolo.

E nós sabíamos:
também o ódio ao vil
deforma os traços,
também o furor contra o mal  
deixa a voz rouquenha. Aí, nós,
que queríamos preparar o chão para a gentileza
não conseguíamos ser gentis

Vós, porém,
quando chegar o tempo

em que o homem ao homem dará ajuda,
lembrai-vos de nós
com compreensão.