sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Chove lá fora?

Em Verlaine e Pessanha, a chuva lá fora espelha a chuva de dentro. Em Fernando Pessoa, um céu que ignora a chuva da alma. Belo diálogo de mestres em pessoa.


Il pleure dans mon coeur | Comme il pleut sur la ville. (Verlaine)


Água morrente
Camilo Pessanha

Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos telhados,
Cair, sempre cair.

Das beiras dos telhados,
Cair, quase morrer...
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.

Meus olhos, afogai-vos
Na vã tristeza ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente.

In: Clepsidra.


Chove? Nenhuma chuva cai...
Fernando Pessoa

Chove?... Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro em mim.
Se escuto, alguém dentro em mim ouve
A chuva, como a voz de um fim ...

Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior,
Ó céu mais útil que o meu pranto?

Caminante - Antonio Machado

lo nuestro es pasar | pasar haciendo caminos | caminos sobre la mar
(golpe a golpe, verso a verso)
Foto de Silvia de Luque no Flickr - Dejando estela (clique na foto)

CAMINANTE
Antonio Machado

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.